Princípios para uma Rede Social do FSM

Memória da reunião “Princípios para uma Rede Social do FSM”

Publicado originalmente na Ciranda (http://www.ciranda.net/porto-alegre-2012/forum-de-midia-livre-2012/article/memoria-da-reuniao-principios-para)

Aconteceu neste dia 25 de Janeiro no Instituto de Educação a reunião proposta pela Ciranda para construção de uma rede social livre do Fórum Social Mundial. A atividade procurou envolver coletivos de desenvolvimento e ativistas que pensam a comunicação do Fórum para tentar estabelecer parâmetros para construção de uma rede social e um protocolo aberto de integração que permita a interconexão das diversas redes utilizadas pelos movimentos sociais, organizações e ativistas.

Rita Freire, da Ciranda Internacional de Comunicação Compartilhada, relatou que existe uma demanda do Conselho Internacional para construçao de uma rede social do Fórum e que esta deve ser uma das prioridades para a nova fase do processo do FSM. Em seguida, Sérgio Amadeu, sóciologo e ativista pelo Software Livre e a neutralidade da rede, apresentou seu olhar sobre a conjuntura política da internet. Amadeu conta que a Internet é uma rede caótica e que muitas vezes a grande imprensa usa disso para construir uma imagem da internet análoga a uma selva e que, por isso, é preciso botar ordem através de controle.

No entanto, a internet é sim uma estrutura de grande controle técnico, pois é estruturada por uma complexa rede de protocolos. Niguém pode entrar na internet sem aceitar instalar os protocolos necessários para essa navegação. A internet é regida pelo protocolo TCP/IP.

Para Amadeu, existem dois grandes inimigos da internet: empresas de telecomunicações e industrias beneficiárias do copyright. As últimas tentam carregar de significado negativo a capacidade de compartilhamento e trocas que a internet proporcionou, o que para Sérgio é equivocado. A industria fonográfica chama de pirataria e tenta imputar a noção de crime grave pela trocas de arquivos e informações ditas “privadas”. No entanto, a analogia não se aplica, pois quando se reproduz um bem material que é regido pela lei da escassez e que a sua cópia não necessariamente é a reprodução identica do bem, para os dados digitais a cópia recria milhares de vezes a mesma obra e informação de forma identica numa lógica de abundância.

Por fim, Sérgio Amadeu apresentou a questão colocada sobre a proposta de lei estadunidense conhecida como SOPA (Stop Online Privacy Act – Ato para parar a pirataria online) e PIPA (PROTECT IP Act – Ato para proteção de IP). Sérgio faz uma analogia desta lei ao bloqueio econômico imposto a Cuba desde a década de 1960. Caso o SOPA e o PIPA passem no congresso estadunidense, as consequências do ato não se restringiriam só àquele país, mas produziria consequências globais. O SOPA prevê que empresas estadunidenses poderiam acionar a justiça contra qualquer site no mundo que reproduzir conteúdo com direitos autorais protegidos , produzindo embargos de trânsito de rede e acesso à rede para estes sites (sem prévio julgamento do mérito). Além disso, o ato prevê que as organizações que produzirem conteúdo “ilegal” seriam proibidas de manter relações comerciais com empresas com sede nos Estados Unidos. Neste sentido, é um bloqueio digital que se transforma num bloqueio econômico também.

As consequências disso seriam trágicas para a internet. Pensando que 70% dos dados da rede passam por backbones localizados nos EUA, isso quer dizer que se um site é bloqueado ou impedido de trafegar por estes backbones, eles também são limitados de operarem não só dentro dos Estados Unidos, mas em todo o mundo. Um pessoa que buscasse um site “ilegal” no google, por exemplo, teria seu resultado para este site negado, pois o google seria obrigado a bloqueá-lo e ocultá-lo por consequência dessa lei. Para não ficarmos vulneráveis a legislações externas, a infraestrutura continua sendo o grande problema. Dependemos da infraestrutura de rede e quem controla a infra-estrutura pode controlar o tráfego, imputando vários pedágios na via. Por isso a importância de se lutar pela neutralidade da rede.

Após as explanações seguiu-se um amplo debate sobre a construção de uma alternativa livre para implementar uma rede social dos atores em torno do FSM. Seguem alguns pontos levantados no debate:

  • As grandes corporações manipulam informações, restringindo o acesso ou cedendo-as para terceiros a partir de interesses privados. Por isso é importante construir nossas redes e sermos soberanos no uso de nossas próprias informações;
  • Infraestrutura se resolve com controle público, e aí existe uma disputa política. É preciso controlar as grandes corporaçõess. A ONU não discute o poder das grandes corporações;
  • O conceito de redes federadas apresentada pela Colivre é uma alternativa para constituir a unidade na articulação e as diversas redes dos movimentos passarem a falar uma mesma língua e compartilhar informações entre elas. Para isso, é importante constituir um pacto de regras para o compartilhamento de informaçoes e a definição de protocolos de comunicação que permitam a fácil integração computacional entre as diversas redes. Um exemplo citado para isso é a ostatus.net;
  • A Colivre apresentou uma sugestão de rede social para o FSM disponível em fsm.colivre.net baseada no Noosfero;
  • Chamou-se a atenção para três desafios para se constituir uma rede social do Fórum: o desafio tecnológico, relativo a consenso de padrões tecnológicos para integração e uma solução que atenda às demandas; o desafio cultural, que diz respeito ao convencimento do uso dessa ferramenta como prioridade, substituindo formas convencionais de comunicação e articulação; e o desafio pedagógico, que diz respeito a esses atores aprenderem e se apropriarem da ferramenta e difundirem o conhecimento de uso;
  • É importante distribuir as redes federadas de forma que a rede busque o retorno às unidades computacionais mínimas. Como exemplo, foi citado o modelo do e-mail como o serviço federado mais popular do mundo. Este serviço é constituído por milhões de servidores espalhados pelo planeta e poderia ser, inclusive, instalado na casa das pessoas. Ele não trabalha num modelo de centralização, mas de distribuição, e é justamente isso que o torna tão eficiente. A constituição de uma rede social federada teria também o desafio de replicar o recurso na sua mínima unidade;
  • A ethymos apresentou sua proposta em fase final de desenvolvimento que é o Delibera. Um instrumento para facilitar os processos de discussão e deliberação dentro das organizações sociais e que pretende substituir o modelo de discussão com base em listas de email. A ethymos entende que é mais importante o fortalecimento da comunicação das e entre as organizações do que a criação de uma nova rede social.

No encerramento da atividade, tivemos a contribuição de Francisco Whitaker, arquiteto e ativista social presente na construção do FSM desde a sua primeira edição, que expôs a comunicação e o envolvimento de cada vez mais atores no processo do fórum, como o grande desafio do FSM para a próxima edição. Para expor sua analogia, Whitaker citou uma frase recorrente nos protestos de Nova York que diziam “nós [o povo] somos 99%, vocês [os ricos] são 1%”. Como muitas vezes acabamos falando para nós mesmos e criando círculos que têm muita dificuldade para permitir a adesão de cada vez mais pessoas, muitas vezes nós, atores de um outro mundo possível, acabamos sendo outro 1% e não os 99%. Se pensarmos na maior manifestação da história, no dia de lutas contra a guerra no dia 15 de fevereiro e 2003, que reuniu 15 milhões em todo o mundo, ainda assim não alcançamo o número de 1% da população mundial. Dos demais 98% uma parte nao consegue nem falar: 40% por causa de fome e uma parte porque está satisfeita com a vida como ela está, outra parte não tem acesso a estruturas para se fazer ouvir. É preciso lutar para que cada vez mais pessoas tenham acesso às ferramentas de comunicação para se expressar, mas que estas também tenham acesso para poder ter conhecimento sobre tudo aquilo que nos pôs engajados para a luta social.

Nós estamos sempre fechados em nossos grupos, não dialogamos com as otras pessoas. Precisamos contar para essas pessoas o que nos contaram, o que nos fez engajarar-nos nas lutas que defendemos, na ação de transformação do mundo. Criar redes de internet pra conversarmos entre nós, não vai mudar nada. As novas redes sociais que o processo do Fórum venha a fomentar devem inventar novas formas de falar para cada vez mais pessoas, e incluir cada vez mais atores no processo de construção de um outro mundo possível.

Convidamos todos e todas a colaborarem com o documento que está sendo acumulado através dos debates no Fórum Social Temático e que deve se estender para Fórum de Mídia Livre que acontece nesta sexta e sábado na Casa de Cultura Mário Quintana em Porto Alegre (sobre esse tema específico o FML reservou uma mesa de discussão na sexta às 17h). O link para o documento que está sendo preparado está disponível em http://pontaopad.me/documento-redes…

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