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Comunidade quilombola apresenta “Encanto das Três Raças”

segunda-feira, junho 29th, 2009

Por Michele Torinelli

Atividades de resgate cultural e desenvolvimento artístico na comunidade quilombola Paiol de Telha, em Guarapuava, resultam em apresentação de artes cênicas, música e dança.

Apresentação do Kundun Balê na Unicentro.

Apresentação do Kundun Balê na Unicentro.

O Instituto Afro Brasileiro Belmiro de Miranda estreiou o espetáculo Encanto das três raças, inspirado no sincretismo cultural brasileiro. A apresentação aconteceu no auditório da Unicentro, na cidade de Guarapuava, no dia 19 de junho – em setembro será a vez de Curitiba.

O trabalho é fruto de uma parceira entre a Assema – Associação Espiritualista Mensageiros de Aruanda, formada por umbandistas residentes em Curitiba que desenvolvem a espiritualidade

Coreografia inspira-se sincretismo das festas juninas.

Coreografia inspira-se em sincretismo das festas juninas.

afro-brasileira com a comunidade quilombola; o grupo artístico Mandorová, de Guarapuava; e a Companhia de Música e Dança Afro Kundun Balê, formada por jovens da comunidade quilombola Paiol de Telha. A companhia é coordenada por Orlando Silva, diretor do espetáculo.

O Soylocoporti aceitou o convite feito pela Assema para assitir a apresentação na sexta-feira e passar o fim de semana no Paiol de Telha. A experiência terá como resultado um documentário, a ser elaborado pelo coletivo, abordando a realidade da comunidade e a importância do trabalho de resgate cultural e autodeterminação.

O espetáculo

Grupo Mandorová trata o sincretismo entre cristianismo e paganismo no "Encanto das três raças".

Grupo Mandorová explora as relações entre cristianismo e paganismo no "Encanto das três raças".

A mistura do catolicismo e do espiritismo com religiões afro e com a pajelância, o candomblé e a umbanda, é o enfoque do Encontro das três raças, o terceiro espetáculo apresentado pelo Kundun Balê. “A gente veio sendo preparado ao longo dos três anos que o grupo existe, adquirimos experiência, o que agilizou os nossos ensaios, desde o começo do ano para cá”, afirma Isabela Cruz (Anaxilê), uma das integrantes da companhia. O cenário, feito artesanalmente, foi criado pelo artista plástico Alex Kua, e quem assina o figurino é Marcio Ramos. Ambos são integrantes do Grupo Mandorová.

O espetáculo trabalha com as energias naturais e com os Orixás, envolvendo percursão, teatro e dança. “Foi bem gratificante mostrar algumas coisas sobre a umbanda no palco porque tem muita gente que não conhece e não procura conhecer, exemplo disto é que os 100 anos da religião passou meio batido no Brasil”, lembra Patrícia Oliveira, membro da Assema.

Comunidade Quilombola Paiol de Telha

Localizada a 30 km da cidade de Guarapuava, a comunidade trava inúmeras batalhas na luta pela terra e pela garantia de seus direitos, através da resistência política e cultural. As terras foram herdadas por escravos no século XIX – a proprietária era viúva e não tinha filhos. Porém, com a colonização alemã e o desenvolvimento econômico da região, a comunidade teve suas terras griladas, e essa disputa continua até hoje.

Vista da cozinha do centro cultural da comunidade.

Vista da cozinha do centro cultural da comunidade.

A comunidade é excluída de políticas públicas. Há pouco tempo conquistaram o transporte escolar – até então as crianças tinham que andar 2 km até o ponto de ônibus. Os universitários, que conseguiram bolsa de estudos em Guarapuava, não têm acesso a transporte noturno, o que os força a caminhar os 6 km de estrada de chão até o Paiol de Telha. Devido a esse problema, alguns deles trancaram o curso. “Nossas crianças custam muito pouco para o governo. Não consomem drogas, não perambulam pelas ruas da cidade. Elas estão aqui, estudando, dançando e representando Guarapuava pelo Paraná afora e não há esse reconhecimento. Isso nos causa revolta, porque em tempos de eleições a nossa comunidade passa a existir no mapa do município porque somos eleitores”, afirma a líder comunitária Ana Maria Alves da Cruz Oliveira.

A comunidade é repleta de belezas naturais.

A comunidade é repleta de belezas naturais.

Alguns moradores são agricultores, outros trabalham na cidade ou participam de projetos. Há dois em andamento: um deles envolve as oficinas e espetáculos; outro o turismo cultural. Porém, o financiamento continua sendo um grande obstáculo a ser vencido pelo instituto. Muito do necessário é fornecido por amigos, que doaram, por exemplo, parte do material para a sede do centro cultural da comunidade, construído recentemente.

Há muita vegetação, plantações, córregos e cachoeiras no Paiol de Telha. Cerca de 65 famílias moram na comunidade – outras estão acampadas na beira da estrada que contorna parte da terra que pertence a eles e que não lhes foi devolvida.

Cultura e espiritualidade

Representação dos ciganos no espetáculo "Encanto das três raças".

Representação dos ciganos no espetáculo "Encanto das três raças".

“O ritmo, o canto, a dança, os usos e costumes, na maioria das vezes, passam despercebidos e desconhecemos a riqueza dos vários brasis. A falta de conhecimento que tem como principal causa o preconceito, por exemplo, faz o brasileiro jogar no ostracismo o fato do Brasil ter uma religião essencialmente nacional, que nasceu pela junção das crenças dessas três raças”, explica o educador e percussionista Orlando Silva, referindo-se aos indígenas, europeus e africanos.

O encontro da Assema com o Kundun Balê deu-se numa comemoração do centenário da umbanda.“Tenho uma inquietude com a falta de interesse pelos 100 anos do surgimento da umbanda no Brasil, que foi em 2008. Quase ninguém tocou nesse assunto, a não ser em um evento realizado pela Associação Espiritual Mensageiros de Aruanda que fez um encontro na Ópera de Arame e no qual o Kundun foi a atração”, afirma Orlando Silva. “Foi amor à primeira vista com essas crianças e adolescentes”, conta Michelle Margotte, da Assema. No Encanto das três raças, integrantes da associação de umbanda participam tocando e dançando.

Parceiros e agenda

Emocionados, participantes comemoram ao final da estréia.

Emocionados, participantes comemoram ao final da estréia.

O espetáculo faz parte do projeto Herança Cultural, que integra o sub-programa Diálogos Culturais, proposto pela Fundação Rureco, sob a responsabilidade da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti). A iniciativa conta com apoio da Unicentro, Tribuna, Rede Sul de Notícias, Goes&Periolo, Tevê Câmara-Canal Legislativo e Tevê Educativa do Paraná.

Próximas apresentações:

Curitiba – 11 de setembro – Canal da Música
Curitiba – novembro – Teatro Guaíra

Algumas informações e depoimentos dessa matéria foram tirados do blog do Kundun Balê e da Rede Sul de Notícias.

Tombou hoje a principal liderança quilombola do recôncavo Baiano

segunda-feira, dezembro 29th, 2008

Sr. Altino da Cruz faleceu hoje pela manhã, aos 60 anos de idade,
enquanto trabalhava na sua roça. Ele não resistiu à notícia de que o
juiz Fábio Rogério França, da 11ª vara da justiça federal, concedeu
uma liminar de reintegração de posse solicitada pela fazendeira Rita
de Cassia Salgado de Santana exigindo que este retire a roça que
cultiva a mais de 40 anos e foi herdada de seus pais. Utilizando-se de
má fé, a fazendeira levou o juiz a concluir que trata-se de uma
ocupação recente quando é notória pela comunidade e pelos dados
apresentados nos autos que trata-se de uma comunidade tradicional.

Na Segunda e terça feira desta semana, o Sr. Altino da Cruz,
acompanhado de outros membros da comunidade quilombola, esteve fazendo
uma romaria por diversos órgãos públicos denunciando a situação e
exigindo providências. Na segunda feira os representantes da
comunidade estiveram no INCRA, na SEPROMI e no IBAMA. Na terça,
voltaram ao INCRA e estiveram na Polícia Federal, entidade encarregada
de cumprir a reintegração de posse. Na quarta feira Altino voltou pra
casa visivelmente abatido e inconformado com a ameaça de sair da roça
que herdou dos pais e na qual trabalha por mais de 40 anos.

Hoje pela manhã, enquanto trabalhava em sua roça, Sr. Altino da Cruz
deu um forte grito e tombou no chão. Foi Levado em um carro de mão por
seus companheiros até o posto de saúde da vila de São Francisco do
Paraguaçu e já chegou morto.

QUEM MATOU ALTINO DA CRUZ?

A comunidade de São Francisco do Paraguaçu é um grande símbolo da
resistência do povo quilombola no Brasil. Historicamente explorada por
grandes fazendeiros do Recôncavo Baiano, especialmente pela família
Santana, tem sido vítima dos mais violentos ataques desde que foi
reconhecida como comunidade remanescente de quilombo.

As agressões são originadas também pela família Diniz que recentemente
implantou uma  RPPN dentro do território da comunidade Remanescente de
Quilombo. Esta família tem usado a RPPN para captar recursos de órgãos
estaduais e federais e tem sido alvo de investigação sobre
irregularidades, o que levou a suspensão de projetos em andamento e
impediu a liberação de mais recursos.

Assim, as agressões e ataques foram concentrados sobre Sr. Altino da
Cruz, a principal liderança da comunidade remanescente de quilombo. A
comunidade foi vítima de várias ações de pistolagem e violência
policial como constatado em relatório oficial do Polícia Federal.
Policiais armados invadiram a casa de Sr Altino da Cruz causando
constrangimento e indignação a toda comunidade. A aliança entre os
Santana e os Diniz, em conjunto com interesses ruralistas nacionais,
articulou uma reportagem produzida pela rede globo de televisão que
foi provada ser fraudulenta através de sindicâncias de órgãos oficiais
como IBAMA, INCRA e Fundação Cultura Palmares. Desde então, a luta da
comunidade Remanescente de Quilombo São Francisco do Paraguaçu
evidenciou-se como um símbolo da luta quilombola no Brasil e a
comunidade tem sido alvo de freqüentes processos judiciais. A atual
estratégia adotada pelos fazendeiros é impetrar sucessivas ações indi
viduais de reintegração de posse para confundir o judiciário.

O que o Movimento dos Pescadores e Quilombolas do Recôncavo tem a
dizer para Elba Diniz, Lu Cachoeira e sua família Santana que a morte
de Sr. Altino da Cruz não trará desânimo para a luta do povo
quilombola. Pelo contrário, fecundará a terra onde nascerão muitas
flores para embelezar a grande mesa no dia da festa da titulação no
nosso território.