O NOSSO país tem uma importante oportunidade de aproveitar a crise econômica mundial para deixar para trás a atual política econômica neoliberal e tomar medidas para adotar um novo modelo de desenvolvimento nacional, com base em distribuição de renda, geração de empregos, fortalecimento da indústria e do mercado interno, melhorando as condições de vida do povo brasileiro.
A crise demonstra em todo o mundo que o neoliberalismo não tem condições de sustentar o desenvolvimento social, ambiental e econômico, sendo necessário aplicar medidas de regulação da economia e fortalecimento do Estado. Chegou à falência o modelo econômico caracterizado pela hegemonia do capital financeiro, altas taxas de juros, superávit primário e prioridade ao setor exportador.
Não encontraremos a solução em políticas que reforcem ou amenizem os problemas do neoliberalismo, apoiando bancos e grandes empresas, mas com iniciativas que apontem para mudanças estruturais. No Brasil, precisamos reduzir imediatamente as taxas de juros e controlar a movimentação do capital especulativo, impedindo a livre circulação, instituindo quarentenas e taxações.
O governo deve revisar uma desgastada orientação do FMI, um dos responsáveis pela crise: o superávit primário. O Tesouro Nacional gastou nos primeiros quatro anos do governo Lula cerca de R$ 600 bilhões com a rubrica relativa aos juros da dívida pública! Temos que usar esses recursos para construir escolas e contratar professores para universalizar o acesso à educação pública.
Nas grandes cidades, é urgente fazer investimentos em transporte público, hospitais e moradias populares, fazendo uma reforma urbana. No campo, a produção de alimentos da agricultura familiar e camponesa precisa receber investimentos públicos, com o fortalecimento da pequena e média propriedade e realização da reforma agrária.
O governo deve estabelecer metas de geração de postos de trabalho formais, dentro de um amplo programa público, reagindo ao aumento do desemprego causado pela crise. Ao mesmo tempo, para dar força ao mercado interno e garantir o consumo, o salário mínimo e os benefícios da Previdência Social devem aumentar, distribuindo renda.
Essas medidas só serão viáveis se os recursos públicos forem aplicados com responsabilidade. Os subsídios para salvar bancos e empresas especuladoras -que ganharam muito dinheiro com o neoliberalismo- apenas reforçam as contradições do modelo que entrou em crise.
É uma incoerência os que sempre defenderam o mercado como “deus regulador” recorrerem ao Estado em um momento de dificuldade. Os bancos públicos, como BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, não têm que socorrer o grande capital e devem só aprovar empréstimos com garantia de desemprego zero.
Estamos preocupados também com a investida predatória sobre os recursos naturais, que aumentam em tempos de crise, porque proporcionam acumulação rápida. Não podemos aceitar as propostas irresponsáveis do agronegócio para mudanças na legislação ambiental, reduzindo áreas de preservação na Amazônia e no que resta da mata atlântica. As grandes empresas do ramo petrolífero estão de olho no petróleo na camada do pré-sal e querem a manutenção do regime de concessão, impedindo mudanças legais que garantam a soberania nacional.
A atual crise econômica é de responsabilidade dos países centrais e dos organismos dirigidos por eles, como OMC, Banco Mundial e FMI. Defendemos uma nova ordem internacional, que respeite a soberania de povos e nações. O Brasil precisa fortalecer a estratégia de integração regional, com foco no Mercosul, na Unasul e na Alba. Com isso, por exemplo, poderemos substituir o dólar nas transações comerciais por moedas locais em toda a América Latina, como recentemente fizeram Brasil e Argentina.
Participamos de reunião com o governo federal para apresentar essas alternativas, construídas por mais de 50 entidades. Não estamos preocupados com as eleições, mas com o futuro do país. Queremos contribuir com o debate para que o povo brasileiro se mobilize por um novo modelo econômico diante da gravidade da crise. Não podemos perder esta oportunidade de fazer mudanças necessárias em nosso país.
JOÃO PEDRO STEDILE, 54, economista, é integrante da coordenação nacional do MST e da Via Campesina.
JOSÉ ANTÔNIO MORONI, 45, filósofo, é membro do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) e diretor da Abong (Associação Brasileira de ONGs).
NALU FARIA, 50, psicóloga, é coordenadora-geral da Sempreviva Organização Feminista (SOF) e integrante da Secretaria Nacional da Marcha Mundial das Mulheres no Brasil.