Por Michele Torinelli
Atividades de resgate cultural e desenvolvimento artístico na comunidade quilombola Paiol de Telha, em Guarapuava, resultam em apresentação de artes cênicas, música e dança.
O Instituto Afro Brasileiro Belmiro de Miranda estreiou o espetáculo Encanto das três raças, inspirado no sincretismo cultural brasileiro. A apresentação aconteceu no auditório da Unicentro, na cidade de Guarapuava, no dia 19 de junho – em setembro será a vez de Curitiba.
O trabalho é fruto de uma parceira entre a Assema – Associação Espiritualista Mensageiros de Aruanda, formada por umbandistas residentes em Curitiba que desenvolvem a espiritualidade
afro-brasileira com a comunidade quilombola; o grupo artístico Mandorová, de Guarapuava; e a Companhia de Música e Dança Afro Kundun Balê, formada por jovens da comunidade quilombola Paiol de Telha. A companhia é coordenada por Orlando Silva, diretor do espetáculo.
O Soylocoporti aceitou o convite feito pela Assema para assitir a apresentação na sexta-feira e passar o fim de semana no Paiol de Telha. A experiência terá como resultado um documentário, a ser elaborado pelo coletivo, abordando a realidade da comunidade e a importância do trabalho de resgate cultural e autodeterminação.
O espetáculo
A mistura do catolicismo e do espiritismo com religiões afro e com a pajelância, o candomblé e a umbanda, é o enfoque do Encontro das três raças, o terceiro espetáculo apresentado pelo Kundun Balê. “A gente veio sendo preparado ao longo dos três anos que o grupo existe, adquirimos experiência, o que agilizou os nossos ensaios, desde o começo do ano para cá”, afirma Isabela Cruz (Anaxilê), uma das integrantes da companhia. O cenário, feito artesanalmente, foi criado pelo artista plástico Alex Kua, e quem assina o figurino é Marcio Ramos. Ambos são integrantes do Grupo Mandorová.
O espetáculo trabalha com as energias naturais e com os Orixás, envolvendo percursão, teatro e dança. “Foi bem gratificante mostrar algumas coisas sobre a umbanda no palco porque tem muita gente que não conhece e não procura conhecer, exemplo disto é que os 100 anos da religião passou meio batido no Brasil”, lembra Patrícia Oliveira, membro da Assema.
Comunidade Quilombola Paiol de Telha
Localizada a 30 km da cidade de Guarapuava, a comunidade trava inúmeras batalhas na luta pela terra e pela garantia de seus direitos, através da resistência política e cultural. As terras foram herdadas por escravos no século XIX – a proprietária era viúva e não tinha filhos. Porém, com a colonização alemã e o desenvolvimento econômico da região, a comunidade teve suas terras griladas, e essa disputa continua até hoje.
A comunidade é excluída de políticas públicas. Há pouco tempo conquistaram o transporte escolar – até então as crianças tinham que andar 2 km até o ponto de ônibus. Os universitários, que conseguiram bolsa de estudos em Guarapuava, não têm acesso a transporte noturno, o que os força a caminhar os 6 km de estrada de chão até o Paiol de Telha. Devido a esse problema, alguns deles trancaram o curso. “Nossas crianças custam muito pouco para o governo. Não consomem drogas, não perambulam pelas ruas da cidade. Elas estão aqui, estudando, dançando e representando Guarapuava pelo Paraná afora e não há esse reconhecimento. Isso nos causa revolta, porque em tempos de eleições a nossa comunidade passa a existir no mapa do município porque somos eleitores”, afirma a líder comunitária Ana Maria Alves da Cruz Oliveira.
Alguns moradores são agricultores, outros trabalham na cidade ou participam de projetos. Há dois em andamento: um deles envolve as oficinas e espetáculos; outro o turismo cultural. Porém, o financiamento continua sendo um grande obstáculo a ser vencido pelo instituto. Muito do necessário é fornecido por amigos, que doaram, por exemplo, parte do material para a sede do centro cultural da comunidade, construído recentemente.
Há muita vegetação, plantações, córregos e cachoeiras no Paiol de Telha. Cerca de 65 famílias moram na comunidade – outras estão acampadas na beira da estrada que contorna parte da terra que pertence a eles e que não lhes foi devolvida.
Cultura e espiritualidade
“O ritmo, o canto, a dança, os usos e costumes, na maioria das vezes, passam despercebidos e desconhecemos a riqueza dos vários brasis. A falta de conhecimento que tem como principal causa o preconceito, por exemplo, faz o brasileiro jogar no ostracismo o fato do Brasil ter uma religião essencialmente nacional, que nasceu pela junção das crenças dessas três raças”, explica o educador e percussionista Orlando Silva, referindo-se aos indígenas, europeus e africanos.
O encontro da Assema com o Kundun Balê deu-se numa comemoração do centenário da umbanda.“Tenho uma inquietude com a falta de interesse pelos 100 anos do surgimento da umbanda no Brasil, que foi em 2008. Quase ninguém tocou nesse assunto, a não ser em um evento realizado pela Associação Espiritual Mensageiros de Aruanda que fez um encontro na Ópera de Arame e no qual o Kundun foi a atração”, afirma Orlando Silva. “Foi amor à primeira vista com essas crianças e adolescentes”, conta Michelle Margotte, da Assema. No Encanto das três raças, integrantes da associação de umbanda participam tocando e dançando.
Parceiros e agenda
O espetáculo faz parte do projeto Herança Cultural, que integra o sub-programa Diálogos Culturais, proposto pela Fundação Rureco, sob a responsabilidade da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti). A iniciativa conta com apoio da Unicentro, Tribuna, Rede Sul de Notícias, Goes&Periolo, Tevê Câmara-Canal Legislativo e Tevê Educativa do Paraná.
Próximas apresentações:
Curitiba – 11 de setembro – Canal da Música
Curitiba – novembro – Teatro Guaíra
Algumas informações e depoimentos dessa matéria foram tirados do blog do Kundun Balê e da Rede Sul de Notícias.